Interessados em se tornarem capitais digitais, os municípios flexibilizaram as regras para contar com melhores serviços de internet e telecomunicações. Sessão temática no Painel Telebrasil 2019 mostra que a discussão sobre os entraves à infraestrutura é antiga e se acentua com o desembarque do 5G.
O licenciamento das antenas nos municípios continua sendo um entrave para o avanço da conectividade e dos serviços de telecomunicações no Brasil. Apesar da promulgação da Lei das Antenas (nº 13.116), em 2015, que estabeleceu normas gerais para implantação e compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações, as prestadoras de serviços de telecomunicações ainda enfrentam empecilhos na hora de implantar e expandir suas redes, seja para instalar antenas, seja não tendo a gratuidade no direito de passagem. O tema foi abordado na sessão temática Lei das Antenas e direitos de passagem, realizada nesta terça-feira, 21/05, no Painel Telebrasil 2019.
Mas há municípios que estão se esforçando para ter mais infraestrutura voltada à economia digital. Um deles é capital cearense, Fortaleza, que reformulou sua legislação para figurar em posições melhores no Ranking Cidades Amigas da Internet. “Em 2017, ocupávamos perto do centésimo lugar; em 2018, subimos três posições. Entrei em contato com a Telebrasil para saber como melhorar”, contou a secretária da prefeitura de Fortaleza Maria Águeda Caminha. A jornada começou com a revogação da Lei Complementar nº 8914/2014, que colocava um raio para instalação de antenas, o que levou ao indeferimento de mais de mil processos de licenciamento de antenas.
Em 2017, o município passou a Lei Complementar nº 230, que mudou o licenciamento das antenas. “Tentamos elaborar legislação em conjunto com as prestadoras de serviços de telecomunicações. É uma única licença, mas tem categorias e definimos também os critérios de isenção para alguns equipamentos.” Ainda existem alguns pontos de melhorias, como a revogação da emenda proposta pelo vereador Acrísio Sena, que coloca raio de distanciamento de escolas e hospitais, que, na visão da secretária da prefeitura de Fortaleza, são áreas críticas e onde são necessários os serviços de telecomunicações. A previsão de revogação da emenda, segundo ela, é para este ano.
Porto Alegre também mudou a sua legislação após a CPI da telefonia móvel, em 2017. Conforme explicou o vereador Valter Nagelstein, em 2011, o município revisou a lei de 2002 para adaptar para a Copa do Mundo, mas as alterações não surtiram o efeito desejado. “Na CPI, ouvimos as empresas, o setor público, Anatel, entre outros, e identificamos e diagnosticamos onde estava o problema. Dali surgiu a base para se construir o novo marco legal”, explicou. A nova legislação dispensa a licença ambiental e a remessa todas as exigências legais à legislação federal já existente, como, por exemplo, a emissão de radiação solicitada pela Anatel. “Queremos transformar Porto Alegre em uma capital digital e sabemos que criar condições para telecomunicações é fundamental para isto”, ressaltou.
Para Ronaldo Neves, representante da Anatel, a única forma de suprir a demanda pelos serviços de telecomunicações e melhorar a qualidade da rede é instalar mais antenas e redes de fibra ótica. Neves destacou a necessidade do adensamento das redes, principalmente, nas cidades. “A conectividade traz crescimento econômico, bem-estar social e melhoria de serviços públicos”, disse, apontando que a ampliação da infraestrutura existente e seu uso mais eficiente são essenciais para atender às necessidades.
“Investimentos em redes e antenas devem ocorrer com celeridade e de forma segura. A Lei de Antenas trouxe outros pontos e exige reflexão da legislação municipal. Está expresso que todo normativo inferior deve completar ou suprir o que não tem, mas nunca contrariar a Lei das Antenas”, destacou, apontando limites à atuação do legislador municipal, aspectos de arrecadação e taxas, aspectos de burocracia e de gestão como essenciais para avançar na discussão.
Já Artur Coimbra, do MCTIC, lembrou que o tema não é um problema brasileiro, e está em discussão também em outros países, como nos Estados Unidos e na Bélgica, sendo que esta última enfrenta dificuldade para entrada de novo player, justamente pela questão da instalação de antenas. “A relação público-privada tem de ser de cooperação; o governo federal editou a Medida Provisória 881″ disse. Essa MP estabelece garantias de livre mercado, análise de impacto regulatório e dá outras providências, conferindo o silêncio positivo, ou seja, diante da omissão ou não resposta do ente público, uma licença, por exemplo, é conferida. Coimbra explicou que a MP já se aplica a nível federal.
Do ponto de vista da indústria fornecedora, Tiago Machado, da Ericsson, lembrou que o Brasil tem hoje 30% do total de sites da União Europeia, que o Chile tem 2,5 vezes mais sites que Brasil em comparação com a população; que a Rússia tem quatro vezes mais; os EUA, 12 e o Japão 15. “A densificação das redes hoje é aspecto inerente. A demanda vai crescer oito, nove vezes nos próximos anos, mas não vamos poder ofertar novas tecnologias no Brasil se não pudermos adensar as redes”, destacou, ressaltando que o tripé quantidade de sites, quantidade de espectro e eficiência espectral é fundamental para atender às novas demandas. “Quando a demanda dobra todos os anos não há outra saída senão o adensamento. E no 5G a demanda por sites será muito maior do que a que temos hoje”, disse, acrescentando que a legislação precisa acompanhar os avanços tecnológicos. “Precisamos de pacto entre a União e os municípios, com o apoio de todas as entidades competentes.”
Falando com a perspectiva das prestadoras de serviços de telecomunicações, Paulo Viveiros, da Claro Brasil, pontuou que alguns municípios perceberam como é importante ter legislação que não seja restritiva e que atinja objetivo de disciplinar essa atividade. “Hoje, falar em estar conectado parece repetitivo, mas telecomunicações são uma poderosa alavanca para o desenvolvimento dos municípios”, disse. Na iminência do 5G, a preocupação é como lidar com as divergências entre leis federal e municipais que muitas vezes, conforme pontuou, divergem sobre exigências e o que se pode e não se pode fazer.
“O processo de licenciamento de antenas deveria ser simples. Não estamos falando nada que afete a mobilidade em torno do local em que se instala a ERB.” Para ele, o autolicenciamento, como fizeram Fortaleza e Porto Alegre, é sem dúvida o caminho. “O ente privado tem de ser responsável se fez algo indevidamente, mas com receio criam-se inúmeros processos que acabam punindo o bom empreendedor e estabelecendo dificuldade exacerbada.”
Thalles Paixão, da Oi, ressaltou a cobrança por prestadores de serviços públicos pelo direito de passagem. “As autarquias seguem cobrando pelo leito das rodovias e isto foi pacificado com a Lei de Antenas”, disse, lembrando que muitas das cobranças são feitas em áreas rurais, onde, tradicionalmente, há mais demanda por telecomunicações. “A discussão tem sido bastante grande entre os entes públicos e as concessionárias para fazer valer o que está disposto na lei. Precisamos fazer valer o direito que a Lei das Antenas reconheceu e que permite a expansão das redes sem a cobrança indevida.”
Enylson Camolesi, da Telefônica, fechou o debate ressaltando que a discussão chegou a um ponto de inflexão. “Não vamos ter 5G se não adequarmos a lei. Se quiserem ter IoT, as cidades digitais precisam ter lei que se adeque a isto. E tem de mudar rapidamente; não dá mais para esperar. Temos de adequar as legislações.” Ele defendeu que as cidades demandam infraestrutura e investimentos e, por isto, é preciso enfrentar esta questão, começando pelas grandes cidades com o objetivo de fazer a harmonização do entendimento. “Acho importante o governo federal estar à frente. Vemos com bons olhos uma regulamentação para pacificar o entendimento da Lei de Antenas, porque fica difícil fazer leilão de 5G sem lei para implementação das redes, lembrando que há mais necessidade de adensamento.”