Painel Telebrasil reúne agências e players do setor em discussão sobre o novo contexto de mercado trazido pelos serviços de vídeo sob demanda baseados na internet.
O mercado de TV por assinatura passa por um momento de revisão de estratégia. Impactadas com a perda de assinantes, as prestadoras de serviços de assinatura se deparam com a concorrência de empresas de streaming, que tende a aumentar, e da oferta de vídeos sob demanda. Como fundo, o setor cobra a elaboração de novas políticas públicas que se adequem ao novo cenário. Este foi o tema da sessão temática O futuro da TV por Assinatura, realizada nesta quarta-feira, 22/05, no Painel Telebrasil.
Ao fazer uma análise do contexto atual, Carlos Eduardo Pereira, partner diretor para Tecnologia, Mídia e Telecomunicações da KPMG, afirmou que o setor hoje tenta levar o passado para o futuro. “Com o marco regulatório que temos, estamos carregando o passado para o futuro, e não é o que queremos”, disse, lembrando que as políticas públicas precisam facilitar os investimentos, protegendo o consumidor e alavancando o mercado.
Para Pereira, essas políticas públicas devem ter foco em três elementos: consumidor, mercado e tecnologia. No primeiro, devem levar em conta a mudança no perfil do cliente, hoje mais direcionado ao consumo de conteúdo sob demanda. Como sinal desta mudança, ele lembra que, entre 2012 e 2018, o volume de assinantes do Netflix cresceu 4,6 vezes, e que o volume de consumidores de serviços OTT cresceu 8,7 vezes.
Em relação ao mercado, o executivo citou as mudanças trazidas pela convergência. “Hoje, no mundo todo, quem cria o conteúdo também cuida de todo o ecossistema, ou trabalha parcerias nesse sentido”, enfatizou, citando o mercado de entretenimento como exemplo: a Disney estima investir US$ 23 bilhões em conteúdo em 2019, quando lançará sua plataforma OTT; e a Netflix deve investir US$ 15 bilhões em conteúdo este ano, 2,4x mais que em 2017. Com tudo isso, a receita do mercado de OTT deve chegar a US$ 123 bilhões em 2023.
Essas mudanças no mercado e no consumo se dão em um contexto de ofertas em múltiplas tecnologias, como streaming, UHDTV, OTT, TV Conectada. Com todas essas mudanças, Pereira acredita existirem questões que precisam ser respondidas: “Nosso marco protege os direitos e demandas dos assinantes? Afinal, quem são os assinantes? A limitação de propriedade cruzada ajuda o desenvolvimento do setor? A regulamentação atual democratiza investimentos em tecnologias disruptivas?”
Para o especialista em regulação da Ancine (Agência Nacional de Cinema), Magno Aguiar Maranhão Júnior, é hora de o mercado discutir conceitos e descobrir aonde quer chegar. Ele citou o exemplo da política de quotas, que foi um sucesso e garantiu mais horas de conteúdo nacional do que o esperado, mas ressaltou que a mesma política não pode ser espelhada para o mercado de vídeo sob demanda. “Hoje é possível navegar, via OTT, por diferentes arranjos de negócio. Quando transferimos a legislação atual para o vídeo sob demanda, a questão fica mais complexa”, comparou.
Por conta disso, Maranhão Júnior defendeu que a política pública deve ser calcada em princípios e na definição do que se busca. “Queremos uma programação nacional de qualidade ou uma reserva de mercado? Criar uma reserva não é um objetivo. Temos que repensar os modelos e as formas de produzir e propagar a cultura nacional, pensando no olhar do consumidor e do produtor”, sublinhou.
O produtor, aliás, é outro fator a ser considerado. Maranhão Júnior ressaltou que os chamados produtores independentes são, na verdade, extremamente dependentes de recursos públicos para a produção; e das cotas, para a distribuição e comercialização deste conteúdo. “O objetivo da agência reguladora é permitir que ele caminhe com as próprias pernas. Essa dependência foi criada, mas é preciso mudar isso gradualmente para permitir que ele trafegue com seu conteúdo pelo mundo todo”, disse.
A Ancine considera que não basta dar dinheiro público e criar uma reserva de mercado. “Tem de haver uma intervenção inteligente. Por isso é preciso discutir conceitos e olhar a cadeia como um todo para termos uma regulação que permita a consumidores e produtores evoluir”, defendeu Maranhão Júnior.
Postura semelhante é adotada por Karla Crosara, superintendente executiva da Anatel, para quem o mercado hoje tem mais incertezas do que certezas. Ela afirmou que o mercado como um todo tem a tarefa árdua de repensar os modelos, levando em conta a maior diversidade de escolha do consumidor.
O ponto de partida para esta reflexão é a contínua redução da base de TV por assinatura a partir de 2014, que vem se acirrando com os anos. De acordo com Karla, mantido o ritmo, até o final de 2021 o número de assinantes deve ser reduzido em 13,1%. Em contrapartida, ela lembrou que, entre 2018 e 2019, o volume de horas de visualização do Netflix saltou de 266 horas para 685 horas, e os usuários do WhatsApp enviaram mais 41,6 milhões de mensagens.
“Cada vez mais utilizamos outras plataformas e por isso temos que adotar uma nova visão, com novas ações regulatórias e legislativas. Temos hoje dois grandes mundos, o das prestadores SeAC (Serviços de Acesso Condicionado) e o dos prestadores OTT. Será possível conciliar estes dois mercados de forma pacífica?”
Adaptação e legalidade
Para os representantes das empresas responsáveis pela distribuição e comercialização de conteúdo, o futuro certamente vai requerer adaptações, mas o presente exige respeito às leis. Para o general manager da Turner Warner Media, Antônio Barreto, as empresas de TV por assinatura estão em um momento de transformação e seu papel no futuro vai depender fundamentalmente de sua capacidade de adaptação.
“O que temos hoje é a TV do passado. Ela está perdendo espaço, por ser um modelo fechado e estruturado onde cada um tinha um papel: produtor, programador, empacotador e distribuidor. O modo como ela foi estruturada no passado tinha foco no domicílio, sem se interessar por quem estava lá dentro”, explicou.
Barreto acredita que este é um quadro que já mudou. Primeiro porque já não há mais papeis definidos, o que permite a todos entrar no mercado. O segundo fator é o foco, hoje totalmente centrado no indivíduo, e não mais em seu endereço. Isso significa que o conteúdo tem que chegar ao cliente independentemente de onde ele esteja.
“A Netflix é o disruptor. Vai gastar US$ 15 bi em conteúdo este ano. Ela salta de 7,5 milhões de assinantes em 2007 para 137 milhões em 2018. É um serviço que está no mundo inteiro e se tornou uma referência que se expandiu para todos os grandes grupos no planeta, que hoje estão investindo em conteúdo”, disse, citando os exemplos da Apple, Amazon, Google, Facebook e Disney.
Barreto lembrou que, somente nos últimos dois anos, estas empresas movimentaram cerca de US$ 220 bilhões em fusões e aquisições e todas estão se posicionando para aumentar sua participação na cadeia de valor. “Com tudo isso, hoje temos desafios que nunca tivemos em nosso negócio, como integração vertical, exclusividade, regulatório, big data etc. Mudou o negócio”, afirmou.