Brasília, 20/03/18 – Matéria da edição desta terça-feira do jornal Correio Braziliense mostra a preocupação do setor de telecomunicações com a iniciativa de atribuir ao setor a obrigação de instalação e manutenção de bloqueadores de sinais de celular em presídios e com consequentes riscos aos trabalhadores e ao patrimônio.
Leia a íntegra da matéria: “Na linha de tiro “Projeto de lei aprovado no Senado e que tramita na Câmara dos Deputados pretende transferir a responsabilidade pelo bloqueio de celulares em presídios para as prestadoras de telefonia, que temem pelo patrimônio e funcionários SIMONE KAFRUNI
Em meio ao caos da segurança pública no país e à falta de orçamento do governo, o jogo de empurra chegou aos presídios. Um projeto de lei aprovado pelo Senado e que tramita na Câmara dos Deputados pretende transferir a responsabilidade pelo bloqueio do sinal de celulares em penitenciárias para o setor privado. O Projeto de Lei do Senado (PLS) 32/2018, de autoria do senador Eunício Oliveira (MDB-CE), estabelece prazo de seis meses para a instalação de bloqueadores no sistema prisional. Mas uma emenda do senador Romero Jucá (MDB/RR) joga a obrigação para as operadoras de telefonia.
Após a aprovação do projeto no Senado, por unanimidade, a reação das facções criminosas foi imediata. Uma mensagem pichada na calçada em frente à casa do presidente da Casa fez uma ameaça assustadora: “Presídio mudo, Eunício morto”. Os bandidos também não deixaram por menos em 2016, quando, a pedido do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), as empresas de telecomunicações fizeram pequenas modificações na área de cobertura próxima a presídios no Ceará. Na ocasião, a represália não se limitou às pichações: equipamentos foram incendiados, causando prejuízos calculados em R$ 10 milhões.
O presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil), Eduardo Levy, disse que o setor não é contrário ao projeto de lei original, mas lamenta a emenda que transfere uma responsabilidade de governo, como segurança pública, para as empresas. “Achamos a função fundamental, mas não queremos que seja atribuída a nós, porque nossa expertise é oferecer o sinal e não bloqueá-lo”, justificou.
Levy esclareceu que existem empresas específicas, com tecnologia capaz de bloquear uma área delimitada (veja quadro acima), deixar o celular do diretor com sinal, por exemplo, e ainda gravar qualquer ligação a pedido da Justiça. “O que as operadoras podem fazer é gerar uma área de sombra, que deixa a vizinhança toda do presídio também sem sinal”, explicou. A questão nem sequer é financeira, ressaltou Levy. “O exemplo do Ceará mostra que isso pode colocar em risco a integridade das pessoas que trabalham nas operadoras e o patrimônio das empresas”, diz.
“Se for para financiar, o governo pode usar os R$ 2,2 bilhões que as empresas vão pagar em março de Fistel (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações)”, revelou.
Na justificativa do projeto, o senador Eunício afirmou que a mudança “reduz o poder da criminalidade organizada no país, impedindo que os presos continuem a comandar quadrilhas de dentro dos presídios”. O problema, segundo especialistas, é que apenas duas coisas contêm a explosão do sistema prisional brasileiro: as visitas íntimas e o uso de celular. Não à toa, os aparelhos entram com facilidade nas penitenciárias de todo o país.
Embora, no Planalto, rumores deem conta de que a emenda de Jucá será retirada do projeto, a matéria está na Câmara dos Deputados e pode alterar uma resolução da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em vigor desde 2002, segundo a qual “o usuário do bloqueador é a entidade formalmente designada pelo Ministério da Justiça, como responsável pela operação de BSR (equipamentos de bloqueio) em um determinado estabelecimento penitenciário”.
Ou seja, na regulamentação atual não há obrigação para que as prestadoras instalem bloqueadores de sinais. “Não existe cadastro na Anatel de empresas autorizadas para isso. Se trata de um tema de segurança pública, de competência do Ministério da Justiça e gestores dos estabelecimentos prisionais, e não das prestadoras de telecomunicações”, disse a agência.
Algumas competências do Ministério da Justiça agora são do Ministério da Segurança Pública, mas ainda não há um entendimento claro sobre quem são “as entidades formalmente designadas” a que se refere a resolução 308 da Anatel de 2002. Em reunião do Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp), na semana passada, os titulares estaduais pediram ao general Carlos Alberto Santos Cruz, secretário nacional do Ministério de Segurança Pública, agilidade nas definições sobre o tema.
Porém, segundo o general, a tecnologia de bloqueio de sinal nos presídios ainda precisa ser discutida. “Tem que se debater até se é vantagem bloquear realmente ou fazer de maneira mais seletiva. Há aspectos técnicos. Ainda precisa ser discutido se o serviço vai ficar com as operadoras”, afirmou.
Sistema fechado
Se as prestadoras não querem assumir o serviço, existem outras empresas interessadas. Jeferson Furlan Nazário, proprietário da M. Communications Brasil, explicou que vários países, como Colômbia, México, República Tcheca e Israel, operam com um sistema no qual a iniciativa privada fornece ao Estado bloqueadores gratuitamente. “Em contrapartida, oferecem um serviço de telefonia fechado, com informações armazenadas nas secretarias de segurança, com a gravação das ligações, que permite aos presos entrarem em contato com as famílias”, contou. O sistema cadastra os presos e os familiares e cobra o mesmo preço de ligação, com cartão de crédito ou débito, e um código seguro. “Assim, quando o preso liga para algum número fora do cadastro, o sistema avisa para quem receber que a ligação é feita de dentro da prisão”, explicou Nazário, que desenvolve um projeto-piloto no Paraná.”