Ecossistema digital desafia empresas e Estado
Inclusão de novos entes – como provedores de internet e desenvolvedores de aplicações – exige outra configuração de mercado, tornando fundamental o papel dos reguladores
Brasília, 06/11/24 – O debate de encerramento do Painel Telebrasil 2024 nesta quarta-feira (6), teve como tema central a consolidação do novo ecossistema digital. Os participantes concordaram que o ambiente digital vai muito além das empresas de telecomunicações e que a inclusão de novos participantes vai exigir um esforço extra e integração entre diferentes órgãos reguladores.
O mediador do encontro e presidente-executivo da Telebrasil e da Conexis Brasil Digital, Marcos Ferrari, lembrou que esta é uma discussão que permeia várias áreas do governo e da sociedade. “Hoje, com a internet, nosso ecossistema se tornou mais complexo, e a grande questão é discutir como empresas, governo e sociedade podem contribuir para a melhoria e a sustentabilidade das redes de telecomunicações”, afirmou.
Como exemplo da amplitude desse ecossistema, o painel contou com a participação da secretária de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde, Ana Estela Haddad. Criada há um ano, a secretaria é uma iniciativa de articulação que procura consolidar as iniciativas digitais dentro da área da saúde. “Essa nova área tem nos permitido avançar no processo de transformação digital e em aspectos como proteção de dados e outros que demandam políticas integradas”, explicou.
A ampliação do ecossistema também exige uma nova postura dos órgãos reguladores. O presidente da Anatel, Carlos Baigorri, disse que a agência já percebeu isso e incluiu em sua visão estratégia 2023-2027 a discussão do reposicionamento do papel do Estado no ambiente digital. Ele lembrou que a maior parte dos serviços que roda na rede de telecomunicações tem papel relevante no ecossistema digital, o que, por vezes, pode fazer surgir tensões entre os participantes.
“Começamos a ver essa tensão em outros setores, como no bloqueio do X ou das bets não autorizadas pelo governo. Não são empresas de telecomunicações, mas coube a nós cumprir a decisão da Justiça”, frisou. Para Baigorri, esta é uma das situações que demanda repensar o papel do Estado e, também, das empresas. “Os setores de telecom e internet começam a perceber que são mais complementares do que concorrentes”, comparou.
Segundo Baigorri, o grande desafio é encontrar o equilíbrio entre a regulação e o estímulo ao crescimento eficiente, o que passa necessariamente pelo papel do Estado, que precisa aprender a trabalhar em um ecossistema mais diverso, que vai além das redes.
Parte dessa transformação passa pelo fortalecimento das políticas públicas. Nesse sentido, o secretário de telecomunicações do Ministério das Comunicações, Hermano Tercius, defendeu que o papel da pasta é trazer todos os entes para participar das discussões. “Precisamos trazer as empresas de internet e as big techs para participar das políticas públicas”, disse.
Operadoras e regulação
Para o vice-presidente de Assuntos Regulatórios e Institucionais da TIM Brasil, Mário Girasole, o papel dos reguladores é fundamental nesse processo. Eles devem ter foco na criação de um ambiente competitivo, de modo a fomentar novas bases de trabalho voltadas à construção do futuro. “O papel de um regulador moderno é entender onde o mercado falha. Ele deve ser capaz de simplificar essas falhas para que o mercado funcione com demanda, oferta e preço justos”, defendeu.
O vice-presidente de Estratégia e Transformação da Oi, Rogerio Takayanagi, concordou e lembrou que o papel dos reguladores não é simples, já que os esforços de regulação são sempre mais lentos que a dinâmica do mercado. “O regulador precisa prever o futuro e acertar e fazer isso criando estímulos e protegendo o usuário e a soberania nacional”, acrescentou.
O executivo acredita que o maior desafio é definir uma estrutura de base, para a qual novos modelos de negócio possam convergir. “Esses modelos devem convergir para um ambiente mais maduro e aqui o papel do regulador é fundamental”, afirmou, ressaltando a necessidade de criar incentivos e mecanismos que fomentem esse ecossistema no futuro.
Falando especificamente do setor de saúde, Ana Estela disse que o setor de telecomunicações é meio para a viabilização da saúde digital. Ela citou como exemplo de integração entre as áreas a inauguração da Infovia 1, que permitiu melhorar a oferta de serviços de telessaúde na região Norte. “Estes serviços já eram oferecidos via satélite, mas, com a fibra, pudemos ampliar muito essa oferta.”
Deveres do usuário
Boa parte dessa discussão sobre o papel do regulador também passa pelos usuários e seus deveres. Baigorri, da Anatel, contou que o abuso de chamadas de telemarketing incentivou a regulamentação dos deveres do usuário previstos na Lei Geral de Telecomunicações. “Começamos o processo definindo o que é uso adequado da rede. No ano que vem devemos ter a consulta pública dessa proposta para debater com a sociedade esses limites”, revelou.
O uso de fundos setoriais também tem papel importante no fomento do ecossistema. De acordo com Tercius, do Ministério das Comunicações, o início do uso das verbas do Fust [Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações] deixou clara a função de financiar parte das políticas públicas que tenham o objetivo de reduzir desigualdades digitais. Para que esse uso seja ampliado, o ministério vem trabalhando para expandir a utilização de verbas no modelo não reembolsável. “Queremos que pelos menos 50% dos valores dos projetos possam receber verbas não reembolsáveis. Isso vai nos permitir financiar políticas públicas de forma mais eficiente.”
O consenso entre as operadoras é que o regulador e a própria regulação são fundamentais, mas que é preciso equilíbrio. “As decisões do regulador devem ser direcionadas por motivos, não convicções. O papel fundamental do regulador é permitir e impulsionar políticas públicas de outros setores estratégicos”, defendeu Girasole, da TIM, lembrando que, neste momento, o diálogo entre diferentes camadas regulatórias é mais do que necessário.
Para Takayanagi, da Oi, o equilíbrio existente hoje é fruto da evolução da regulamentação. “As teles e os reguladores hoje estão do mesmo lado da mesa. Isso ajuda no equilíbrio de forças”, completou.