Artigo I – Decifrando a desigualdade digital no Brasil
Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, o presidente executivo da Conexis fala sobre a desigualdade digital e como a baixa escolaridade e a falta de capacidade financeira dificultam o acesso à internet
Por Marcos Ferrari*
O Brasil é o país das desigualdades e isso não é exatamente uma novidade. Apesar da melhora percebida nos últimos anos, a concentração de renda ainda permanece em patamares muito elevados. A dificuldade para que haja maior equidade na distribuição de recursos ganha de forma acelerada a companhia cada vez mais influente de outro elemento capaz de gerar desequilíbrio na balança social. Trata-se da desigualdade digital.
Segundo a TIC Domicílios realizada em 2020, 26 milhões de pessoas nunca acessaram a internet no País, equivalente a 14% da população. Os motivos são diversos. 18% afirmam que não possuem poder aquisitivo para contratar o serviço. A explicação é facilmente compreensível, pois 81% dos que não acessam a internet recebe até dois salários-mínimos por mês.
Outro número que chama atenção são os 63% que não possuem internet devido à falta de interesse, habilidade ou necessidade. Nota-se aqui mais uma faceta perversa do analfabetismo e da falta de acesso à educação, barreiras ao mesmo tempo históricas e contemporâneas para o desenvolvimento humano e da economia.
Ao avaliar os dados, fica claro que a maior razão para a desconexão está no lado da demanda – com a baixa escolaridade e capacidade financeira – e não necessariamente da oferta, ligada à falta de infraestrutura ou serviço, que chega hoje a 90% dos domicílios do País.
O custo da conectividade no Brasil não é caro
O mercado de telecom brasileiro é um dos mais competitivos do mundo. O crescimento do mercado e a grande concorrência fazem com que as empresas se empenhem ao máximo para ofertar os melhores preços para seus consumidores. O IPCA geral acumulado dos últimos 12 meses ficou em 10,3%, segundo o IBGE. O combo de serviços de telefonia, internet e TV por assinatura apresentou alta de menos de 1%. Serviços de saneamento subiram 4,4%; energia elétrica residencial, quase 30%.
Dados da União Internacional das Telecomunicações (UIT) demonstram uma efetiva queda no custo dos serviços do setor no Brasil. A cesta de serviços de telefonia móvel custava próximo de US$ 70 em 2008 e observou uma queda gradativa para atingir quase US$ 22 em 2018. A banda larga fixa caiu de pouco mais de US$ 53 para menos de US$ 18. Considerando os 15 países que mais acessam banda larga no mundo, o preço praticado por aqui é 55% menor do que a média.
Primeiros obstáculos: carga tributária e fundos setoriais
Um dos principais fatores limitantes do acesso à conectividade é a elevadíssima carga tributária, representando mais de 40% do que é pago pelo consumidor final. Fica em segundo lugar no mundo, tendo à frente apenas a Jordânia, conforme dados do Banco Mundial. A carga dos países líderes em conectividade é em torno de 10%. A nossa carga aumenta a régua para acesso à internet.
O Brasil possui população com renda per capta média baixa e é preciso haver políticas públicas que favoreçam a inclusão digital. Já foram recolhidos historicamente pelas operadoras mais de R$ 116 bilhões para os fundos setoriais. Somente para o Fust, criado justamente para promover a universalização da conectividade, foram quase R$ 45 bilhões nos últimos 20 anos, mas nem um centavo foi aplicado até hoje para essa finalidade. Contribuição muito elevada feita pelo setor e contribuinte, mas que não tiveram a destinação correta. Temos uma falha de estado a corrigir.
Sem mudanças estruturais, os maiores prejudicados continuarão sendo as pessoas menos favorecidas e as empresas brasileiras, que perdem competitividade em um mercado cada vez mais disputado.
*Marcos Ferrari é presidente executivo da Conexis Brasil Digital