Artigo: O Brasil está pronto para a Internet das Coisas?
Carros autônomos, wearables, plantações e rebanhos chipados, milhões de dispositivos conectados, máquinas conversando entre si… a realidade da Internet das Coisas (IoT) já está batendo à nossa porta. Mas estamos prontos para ela? Depende.
Pelo lado tecnológico, a resposta é “sim”. Várias dessas práticas já são possíveis com as tecnologias atuais, e o 5G vai potencializar essa disseminação. Porém, pelo lado da carga tributária sobre IoT, que é altíssima no Brasil, o país pode ficar fora dessa revolução.
Na maneira como os dispositivos são tributados atualmente, a conta de um chip de IoT já começa no negativo. Isso acontece porque o dispositivo conectado com a tecnologia é muito diferente de um chip de celular, gerando um tráfego pequeno e, consequentemente, uma receita baixa.
Um dispositivo de iluminação inteligente, por exemplo, aciona o chip para acender e apagar as luzes; o chip de um boi ou uma ovelha informa se o animal comeu ou se está precisando de vacina; e o da lavoura mede a umidade do solo e do ar e os nutrientes de cada planta e envia esses dados para um computador central. Embora essas informações sejam de extrema importância, o tráfego que elas geram representa uma receita muito pequena.
A estimativa é que a receita por dispositivo de Internet da Coisas seja de R$ 12 reais por ano, apenas R$ 1 por mês. Com todas as contribuições e os impostos cobrados hoje, a tributação chega a R$ 14,73. Ou seja, já no primeiro ano de operação, o chip fica devendo R$ 2,73; isso sem contar o custo de operação dos serviços, implantação das redes e outros investimentos necessários para o negócio funcionar.
Alguns desses tributos têm valores fixos, como a Taxa de Fiscalização de Instalação (TFI), que vai para o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), representando R$ 5,68 no primeiro ano. Incidem ainda sobre o dispositivo a cobrança para outros dois fundos de telecomunicações (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações — Fust e Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações — Funttel) e as taxas para financiar a radiodifusão pública (CFRP) e o audiovisual (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional — Condecine). Isso sem falar em tributos tradicionais, como PIS/Cofins e Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
É uma conta que não fecha, e vai impedir o Brasil de aproveitar esse salto tecnológico que a Internet das Coisas pode trazer. Não estamos falando só de gadgets ou supérfluos, estamos falando da base da economia digital, do campo conectado, da evolução da segurança, da mobilidade urbana, da automação das fábricas, dos serviços inteligentes que as administrações públicas podem oferecer aos cidadãos e de uma infinidade de usos que ainda vão surgir. Estamos falando de investimentos e de geração de competitividade e produtividade para o país.
Um estudo da Consultoria LCA prevê que a desoneração de IoT pode gerar arrecadação de R$ 15 bilhões nos próximos 3 anos, com potencial de negócios, compensando uma perda inicial estimada em R$ 1,8 bilhão com a redução de tributos. Nesse sentido, zerar a carga tributária setorial dos dispositivos de Internet das Coisas é fundamental para viabilizar o serviço e permitir que o Brasil faça essa revolução. Caso contrário, poderemos mais uma vez ficar distantes da fronteira tecnológica.
* Marcos Ferrari é presidente-executivo do SindiTelebrasil. Ferrari é doutor em economia, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e foi diretor de Infraestrutura e Governo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ele também foi secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento de 2016 a 2018 e anteriormente secretário adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Além disso, exerceu o papel de presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo.