Federalismo, 5G e direito de passagem
Em artigo publicado nesta terça-feira, no Jota, o presidente executivo da Conexis, Marcos Ferrari, fala sobre a gratuidade do direito de passagem, seu fundamento constitucional e legal e a sua importância para a conectividade. Leia a íntegra do artigo.
Brasília, 09/02/21 – Garantir acesso à internet a toda a população, mesmo em locais remotos e municípios mais distantes, sempre foi um desejo de todos e um desafio para o Brasil. Esse desejo hoje se torna ainda mais patente quando pensamos nos benefícios das novas tecnologias, como o 5G, para o dia a dia da população. Com as dimensões continentais e profundas desigualdades sociais e econômicas do país, a instalação de infraestruturas que permitam este acesso amplo requer a combinação de políticas públicas e de investimento privado bem direcionados.
O tema ganha também especial relevância quando nos deparamos com o fato de que a pandemia de Covid-19 trouxe impacto significativo para a internet no país, face ao aumento de tráfego de dados nas redes das teles sem precedentes, ocasionados pela quarentena e pelo distanciamento social. De acordo com dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), em 2020, verificou-se aumento de até 50% no uso da internet no Brasil, o que foi prontamente suportado, sem qualquer aviso prévio, pela robusta infraestrutura de telecomunicações instalada em território nacional.
Todavia, com a crescente demanda de tráfego de internet, aliada à chegada de novas tecnologias, há, para o setor de telecomunicações, a contínua necessidade de investimentos em expansão e otimização da capacidade das redes que viabilizam a prestação dos serviços.
Mas o que isso tem a ver com o federalismo e com o direito de passagem? A resposta é: tudo. Para que a internet chegue a todos os cantos e com qualidade é necessário instalar infraestrutura de ponta, especialmente redes de fibras ópticas, cortando territórios de diferentes estados e municípios
Para otimizar essa implantação, é necessário fazer passar a infraestrutura de telecomunicações nas faixas de domínio das rodovias que, conforme regulamentação do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), conceitua-se como sendo a base física sobre a qual se assenta uma rodovia, constituída pelas pistas de rolamento, canteiros, obras-de-arte, acostamentos, sinalização e faixa lateral de segurança, e que são classificadas como sendo bens públicos de uso comum do povo. O direito de fazer passar a infraestrutura para a prestação de um serviço público em tais localidades é denominado direito de passagem, que se encontra ameaçado, como se verá.
Partindo de uma política pública de incentivo à conectividade e à digitalização do País, em 2015, foi sancionada a Lei nº 13.116/2015, conhecida como Lei Geral de Antenas (LGA). Em seu artigo 12, essa lei estabelece a gratuidade do direito de passagem. Desde então, a expansão da infraestrutura se deu de forma impressionante. O 4G, por exemplo, já está em 5.138 municípios e a banda larga móvel, somando 3G e 4G, já está em todos os municípios brasileiros.
Mas os desafios à expansão da infraestrutura de telecomunicações no país, agora, poderão ser agravados até mesmo a ponto de inviabilizar a continuidade de expansão dos serviços e a implementação das novas tecnologias, como o 5G. Trata-se do risco de se permitir a cobrança pelo direito de passagem da infraestrutura das teles nas faixas de domínio das rodovias por estados, Distrito Federal e municípios.
Isso porque, passados cinco anos de vigência da LGA, cujo sucesso do ponto de vista de política pública de expansão de redes de telecomunicações é facilmente verificável, a Procuradoria Geral da República (PGR) ajuizou, em julho de 2020, no Supremo Tribunal Federal (STF), a ADI 6482, com o objetivo de ver declarada a inconstitucionalidade do art. 12 da referida lei. O julgamento está previsto para iniciar no dia 10 de fevereiro.
No entender da PGR, o art. 12 da Lei nº 13.116/2015 violaria preceitos constitucionais, como divisão funcional de Poder e forma federativa de Estado; direito de propriedade; competência suplementar dos estados para editar normas específicas de licitação e contratação; moralidade administrativa, bem como os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
A Conexis Brasil Digital, entidade sindical que representa as operadoras de telefonia fixa, móvel e internet no Brasil, requereu seu ingresso como amicus curiae no processo para alertar não só a constitucionalidade da norma do ponto de vista formal e material, uma vez que que a Carta Magna entregou à União tanto a competência para explorar os serviços de telecomunicações (art. 21, XI), quanto a competência privativa para sobre eles legislar (art. 22, IV), mas também a importância da gratuidade do direito de passagem para a manutenção e expansão da conectividade nos rincões do país.
Ora, valendo-se da a sua competência constitucional para legislar sobre os serviços de telecomunicações e, também, para explorá-los, o ente federal editou o art. 60, caput, da Lei n° 9.472/1997 – Lei Geral das Telecomunicações (LGT), que define que “serviços de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicações”.
Daí, a implantação e o compartilhamento de infraestruturas de telecomunicações – medidas previstas na LGA – se enquadrarem no conceito de “serviços de telecomunicações”, pois as antenas e toda a infraestrutura de telecomunicações constituem a base material que possibilita a própria prestação desse relevante serviço público essencial. Autorizada por esses comandos constitucionais e legais, a Lei nº 13.116/2015 trouxe o aludido caput do art. 12, estabelecendo a gratuidade do direito de passagem, como nítida opção legislativa feita pelo ente autorizado constitucionalmente a fazê-la, não havendo que se falar em qualquer interferência nas competências ou violação funcional de poder dos outros entes federativos.
Com vistas a demonstrar aos ministros da Suprema Corte o problema que se apresentaria com a eventual permissão de cobrança de direito de passagem, a Conexis anexou ao processo estudo econômico, elaborado pela consultoria LCA, que evidenciou as desigualdades e mostrou como o avanço da conectividade pode reduzi-las. No caso do 4G, por exemplo, há uma diferença de 66,5% na densidade de acesso (que mede o número de celulares a cada grupo de 100 habitantes) entre o estado com maior índice e o último. Na banda larga fixa, a diferença sobe para 420%. Desigualdades criadas especialmente pela baixa demanda provocada pela baixa renda, baixo IDH e distância geográfica.
O estudo aponta que a oferta dos serviços, em especial quando se trata de regiões ainda não atendidas e distantes dos grandes centros urbanos, requer investimentos elevados para construção da rede de telecomunicações. Nesse contexto, a cobrança do direito de passagem, segundo o estudo, encarece sobremaneira a oferta do serviço e o preço ao consumidor final. Estudos indicam que um aumento de 10% no preço da banda larga pode reduzir a demanda pelo serviço entre 6,18% e 34,2%
Por outro lado, o levantamento mostra, ainda, que a expansão dos serviços pode estimular a diminuição das desigualdades. De acordo com estimativas da LCA, uma redução parcial das disparidades regionais geraria no curto prazo cerca de R$ 13,8 bilhões a mais de PIB, 198 mil empregos, R$ 4 bilhões de impostos e R$ 4,3 bilhões de massa salarial.
Mas a volta da cobrança, segundo a consultoria, pode comprometer inclusive eventuais compromissos de abrangência nos futuros leilões de frequências do 5G e interferir, consequentemente no resultado do certame.
Toda a importância dessa conectividade, repisa-se, ficou evidente durante a pandemia da Covid-19, em que grande parte das atividades passaram, de forma abrupta, a ser feitas remotamente por meio da robusta estrutura de telecom.
O desenvolvimento dessa economia digital, com inclusão social e redução das desigualdades regionais, passa necessariamente por colocar a conectividade como prioridade das políticas públicas, respeitando o federalismo no processo de legislar sobre telecom e estimulando os municípios no seu potencial de promover mais conectividade com leis modernas de instalação de antenas referentes ao uso do solo. Logo, o que se mostra como desproporcional e desarrazoado é a permissão da cobrança de direito de passagem que, como visto, se apresentaria como amarras ao país para o crescimento econômico e o desenvolvimento social.
Sobre a Conexis – A Conexis Brasil Digital reúne as empresas de telecomunicações e de conectividade, que são a plataforma da economia digital, da sustentabilidade e da conexão de todos os brasileiros. A Conexis, dentro de um movimento de transformação digital pelo qual o mundo está passando, vem substituir a marca do SindiTelebrasil, reforçando o propósito do setor de telecomunicações de digitalizar o País e de conectar todos os brasileiros.