Governança e estratégia conjunta endereçam acordo para o melhor uso da infraestrutura urbana

A convivência de diferentes prestadores e redes nos limitados espaços de postes e dutos é um dos grandes desafios dos setores de telecom e de energia, especialmente, nas grandes cidades. A saída, afirmam especialistas, é garantir um ambiente sustentável para todos os atores. O tema foi debatido na sessão temática Infraestrutura urbana: postes e enterramentos, no Painel Telebrasil 2019.

Com a iminência da chegada das redes de quinta geração, endereçar a organização do espaço urbano e a convivência de diferentes prestadores e redes nos limitados espaços de postes e dutos é um dos grandes desafios dos setores de telecomunicações e energia, sobretudo nas grandes cidades. Representantes da Anatel, Aneel, CPqD e KPMG debateram como conciliar as diferentes demandas e garantir um ambiente sustentável a todos os atores na sessão temática Infraestrutura urbana: postes e enterramento, realizada nesta quinta-feira, 23/05, no Painel Telebrasil 2019.

O engenheiro, pesquisador e consultor no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD) Ismael Mattos Andrade Ávila apresentou um estudo de benchmarking internacional para o qual foram avaliados seis países e a União Europeia sobre o cenário atual do uso, ocupação e regulação das redes aéreas e subterrâneas. A vizinha Argentina, por exemplo, tem uma proporção relativamente alta de redes subterrâneas.

Já a China fez, há algum tempo um esforço grande e rápido de enterramento, mas com pobre governança, o que levou a problemas, fazendo com que o Estado chinês repensasse a estratégia. “Agora está fazendo política agressiva de construção de túneis e galerias técnicas com verbas dos estados e governo central para resolver o problema da falta de governança”, explicou. Na União Europeia, foi observado que os países mais ricos iniciaram processo de enterramento, enquanto outros estão atrasados — por exemplo, a Holanda tem 100% da rede enterrada e na Grécia, o porcentual é de 10%.

Entre as recomendações para o Brasil, Ávila destacou a importância de se ter uma estrutura de governança definindo papéis, atores e rotinas para garantir a implementação do plano nacional de gestão da ocupação das redes. O especialista do CPqD defendeu que haja uma norma única nacional — hoje cada distribuidora define em norma própria a forma de ocupação da faixa de telecom.

“Recomenda-se uma padronização nacional da faixa de 500mm com seis pontos de fixação e a destinação destes pontos a serviços de telecomunicações e congêneres”, disse, explicando que a variedade de normas dificulta a atuação das prestadoras de serviços de telecomunicações. Temos, segundo ele, uma necessidade de ocupação que extrapola o que tem disponível. “Defendemos que haja ocupação de seis pontos e que seja definido que um dos pontos seja de compartilhamento obrigatório”, afirmou.

A evolução tecnológica no setor das telecomunicações e as demandas que surgem com este avanço — conforme pontuou Marcelo Ribeiro, sócio-diretor da KPMG, em sua apresentação — aportam mais dificuldades ao cenário atual. “Sabemos que tem um porcentual de postes que está sobrecarregada e, com o advento do 5G, o problema vai se tornar mais complexo, mas Anatel e Aneel vêm tentando resolver este quadro”, disse, acrescentando que o passivo tem de ser endereçado, assim como o preço de referência, que, na visão dele, deveria ser revisto. “Outro ponto que torna o problema mais complexo é a questão das prefeituras que vêm tentando legislação própria.”

Ribeiro enumerou alguns dos principais desafios do lado das elétricas, prestadoras de serviços de telecomunicações e legisladores. Para as distribuidoras de energia elétrica, o executivo apontou ter controle do que está sendo instalado, em uso e retirado; obter equilíbrio entre a receita oriunda do aluguel do ponto de fixação versus os custos relacionados; e prover compartilhamento seguro que não impacte nos indicadores de qualidade.

Para as prestadoras de serviços de telecomunicações, o sócio da KPMG destacou a obtenção do acesso e infraestrutura de maneira mais simples e rápida, o pagamento de menor preço pelo ponto; e maneiras de não ter o cabo cortado indevidamente.

Ainda de acordo com o consultor do KPMG, ações concretas passam por criar um novo regulamento em conjunto que estabeleça regras e valores de referência justos e bom para todas as partes envolvidas e com uma visão para o 5G; repactuar a questão da modicidade tarifária que impacta as concessionárias de distribuição de energia; e criar modelo de adequação do passivo para um longo prazo, de razoabilidade financeira e divisão dos custos de faxina dos pontes, questões que devem ser tratadas peloa agências reguladoras. 

Anatel e Aneel: negociação contínua

O gerente de Monitoramento das Relações entre Prestadoras da Superintendência de Competição da Anatel, Fábio Casotti, reforçou a narrativa de como a Internet das Coisas, o 5G e cidades inteligentes, ou seja, as novas tecnologias de comunicações móveis, requerem adensamento. “Estamos face ao movimento que leva a usabilidade para outro patamar; o que era voltado para experiências individuais passa agora para um ecossistema novo”, disse. “Há necessidade de densificação para suprir a demanda por conectividade, confiabilidade, latência e capacidade. Vamos precisar dotar o País de uma densa e muito sólida rede de fibra ótica e small cells”, completou.

No Brasil, existem, atualmente 46 milhões de postes, e a Anatel identificou algo como 9 milhões de postes elegíveis à unificação, isto é, que estão expostos à demanda além de sua capacidade formal. “É enorme a importância do tema e de como ele se insere no atual momento da indústria quando estão sendo elaborados os planos de negócios, das faixas e desenhos de licitações”, afirmou, ressaltando que a Anatel não está inerte e está fazendo a revisão da norma.

Casotti destacou que a agência tem observado que uma única solução não atende a todos os cenários. “Precisamos conversar sobre este assunto; precisamos fazê-lo de forma razoável e comprometida para entender e construir conjuntamente as soluções. Já sabemos que não adianta resolver com canetada; precisamos construir de maneira conjunta”, pontuou.

Do lado da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Eduardo Rossi Fernandes, assessor da diretoria, lembrou que a própria LGT estabelece que as prestadoras de serviços de telecomunicações têm direito ao acesso à infraestrutura, mas que cabe à Aneel a definição das condições para o acesso.

Ele passou pelos avanços na regulamentação, fazendo uma retrospectiva das resoluções conjuntas entre Anatel e Aneel e como as agências têm trabalhado para chegar a um denominador comum na questão do compartilhamento. “Nosso desafio é a organização das redes, porque isto tem impacto direto na prestação de serviços de energia elétrica, e a Resolução Conjunta nº 1 colocou que os serviços prestados pela distribuidora de energia elétrica não podem ser prejudicados pelo compartilhamento”, salientou.

Rossi destacou que existe, do ponto de vista das distribuidoras, tanto uma realidade para recuperar a qualidade dos serviços como uma oportunidade de negócios, com faturamento que pode acontecer, mas não está acontecendo. Anatel e Aneel estão trabalhando no aprimoramento da Resolução Conjunta com o objetivo de reduzir as discussões e aprimorar o critério do preço, regularizar o passivo e disseminar a informação.

O texto foi para consulta pública em 2018 e é esperada, segundo ele, em dezembro deste ano a divulgação da Análise de Impacto Regulatório (AIR) e a Minuta, e para dezembro de 2020 a Análise de Contribuições e Norma. “Ano que vem é o prazo para deliberar a nova resolução e publicar uma nova norma tratando do compartilhamento de infraestrutura”, disse.

Sobre os valores pelos pontos de fixação, Rossi levantou alguns questionamentos. “Devem ser estabelecidas regras rígidas ou manter o preço de referência atual de R$ 4,06? Ou é melhor abrir para a livre negociação, deixando o livre arbítrio?”, indagou, lembrando que, dos mais de 200 conflitos hoje na câmara de conflitos, 91% são relacionados a preço.

Rossi também abordou o enterramento das redes, lembrando que é prerrogativa das elétricas decidir se enterra ou não a rede de energia, uma vez que as distribuidoras não têm esta obrigação. “O posicionamento atual da Aneel é que não existem e não devem existir barreiras regulatórias para a implantação de redes subterrâneas no Brasil, de forma que as distribuidoras, os consumidores e a administração pública possuem ampla liberdade para empreenderem.”

O consenso entre os debatedores foi de que a solução passa pela participação de todos os players e que o tema, se não for prontamente endereçado, poderá comprometer o cronograma do 5G.

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