O rumo e o prumo do CPqD – I

A Fundação CPqD – Centro de Pesquisa e Desenvolvimento – singra, há 35 anos, as águas de margens, nem sempre, plácidas das Tecnologias de Informação e Comunicação. O CPqD, graças à sua persistência e reunindo talentos, constitui um florão brasileiro da inovação no segmento das TICs na América Latina. Confira, aqui, entrevista exclusiva com o presidente da entidade, Hélio Marcos Machado Graciosa, com sua visão objetiva sobre o centro.

A Fundação CPqD – Centro de Pesquisa e Desenvolvimento – é uma Associada TELEBRASIL.

Quatro grandes quadros coloridos ficam dependurados na sala de reuniões anexa ao gabinete do presidente do CPqD. Eles parecem ganhar vida quando explicados pelo engenheiro e mestre em Ciência em Engenharia Elétrica Hélio Graciosa, que dirige a entidade.

Ao final da sua didática apresentação, efetuada em tom calmo, surge o sofisticado panorama de uma entidade que agora chega aos 35 anos e quer alcançar, em 2046, os 70 com a mesma vitalidade, servindo a um Brasil que irá ser cada vez mais desenvolvido.

O conceito da Roda da Inovação

O substrato filosófico que dá base ao CPqD tem um nome. Denomina-se: “inovação”. O Centro de Pesquisa e Desenvolvimento existe “por conta de fazer inovação em Tecnologia da Comunicação e Informação para a sociedade”.

Na década de 70, o Centro foi criado pensando neste conceito. Ele deveria ocupar um espaço entre o mundo da academia e o “setor produtivo”, como era então chamada a indústria. Falava-se no “ciclo da inovação”. Trabalhando junto às universidades, o CPqD entregaria à indústria protótipos que seriam produzidos pelo “setor produtivo” e colocados no mercado.

Antigamente, uma linha reta representava o “ciclo da inovação”. Partindo da pesquisa básica, segue-se para pesquisa aplicada, desenvolvimento de protótipo e de produto, produção para desembocar o produto no mercado. O mundo mudou. Hoje, a iniciativa da inovação não é mais, necessariamente, dos engenheiros e cientistas. Ela vem, cada vez mais, para preencher oportunidades advindas do mercado.

“Não conseguimos acertar todas – as pessoas não são infalíveis –, mas sempre tivemos em mira o teste do mercado”, observou um pragmático Hélio Graciosa.

O atual estoque de TIC permite fazer uma infinidade de coisas. Mas é preciso saber, primeiro, se o custo de uma aplicação será razoável e se o produto “irá falar ao coração do consumidor final”.

Na prática, dentre as aplicações que podem ser colocadas no sistema celular, por exemplo, algumas podem passar desapercebidas, ao passo que outras podem virar verdadeiros best-sellers mundiais. É a famosa killer application, o Eldorado que iniciativas como o SMS – short message service –, o GPS – global positioning system –, o Facebook e os motores de busca na Internet fazem entrever.

Falar hoje em inovação é falar no conjunto “pesquisa, desenvolvimento e mercado”, não mais formando uma progressão linear e sim encadeados de maneira circular. “Pode-se iniciar o processo em qualquer ponto dessa roda que tem ao centro a inovação”, disse o presidente do centro, apontando para o primeiro quadro que orna a parede da sala da diretoria.

Ao transformar a inovação em realidade concreta, a “roda da inovação” contribui, dentre outras benesses, para a inclusão digital, para gerar aqui empregos nobres, para aumentar o poder de negociação da sociedade brasileira e para incentivar e gerar capital intelectual, cuja aplicação traz riqueza para o País.

Girando a Roda da Inovação – Programa de P&D

Para fazer a “roda da inovação” girar – constituída de pesquisa, desenvolvimento, mercado –, o CPqD se vale de três mecanismos correspondentes: um programa de P&D (pesquisa e desenvolvimento); uma ação comercial; e a geração de empresas filhotes (spin-offs). A “roda da inovação” é o plano estratégico que gera as “táticas” operacionais do CPqD.

Pesquisa e desenvolvimento tecnológicos significam aplicação de recursos. O Programa de P&D do CPqD tem uma parte substantiva de seus projetos financiados com recursos do Funtell – Fundo para o Desenvolvimento das Telecomunicações. Com a privatização do setor das telecomunicações, foi legalmente prevista a aplicação de recursos do Funtell no CPqD.

Em termos concretos, parte dos recursos desse fundo, da ordem de 30% – Lei do Funtell (Lei nº 10.052 de 28/11/2000) —, é aplicada no CPqD. Trata-se de recursos anuais da ordem de R$ 40 a 50 milhões.

Nessa parte substantiva do Programa de P&D, com recursos do Funtell, vicejam os projetos denominados de “transições tecnológicas”. É o campo das tecnologias de ponta. Nas transições tecnológicas pequisam-se soluções para a Internet do futuro, comunicações ópticas do futuro, sistemas sem fio do futuro, redes de nova geração (NGN) e afins. O CPqD fica muito atento às mudanças e às tendências tecnológicas que acontecem no mundo. Há um grupo, dirigido pelo diretor Antonio Carlos Bordeaux, que se ocupa disso.

Os recursos do Funtell não aportam em bloco para o CPqD. Eles são atribuídos projeto a projeto e precisam ser negociados com o Comitê Gestor (CG) do Funtell. O CPqD propõe projetos e presta contas, físicas e financeiras, da aplicação dos recursos ao Comitê Gestor do Funtell.

O Comitê Gestor do Funtell é eclético, com membros de agentes do Governo. Compreende representantes dos ministérios das Comunicações (MC); da Ciência e Tecnologia (MC&T); e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), além da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações); do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social); e da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). Administrativamente, o Funtell é operado pelo Ministério das Comunicações.

O CPqD também se vale de recursos disponíveis para as atividades de pesquisa e desenvolvimento. Ele, como fazem outras entidades, se candidata a tais recursos. “Alguns desses recursos nós conseguimos e outros não”, admitiu Hélio Graciosa.

O mecanismo do Funtell do setor de telecomunicações, basicamente, recolhe 0,5% sobre o faturamento líquido das empresas prestadoras de serviços de telecomunicações. Tais recursos vão parar no Tesouro Nacional. O Comitê Gestor do Funtell entra em ação para decidir onde aplicá-los. Uma política análoga existe no setor de energia elétrica, mas as concessionárias, ao invés de recolher recursos ao Tesouro, tais recursos são aplicados diretamente nos projetos.

No jargão do CPqD, os projetos para energia elétrica denominam-se “projetos Aneel” (Agência Nacional de Energia Elétrica). Cada projeto é negociado diretamente pelo CPqD. São da ordem de 110 “projetos Aneel”, no CPqD, dos quais 40 foram terminados e 70 estão em andamento.

O CPqD é uma fundação e, por definição, “sem fins lucrativos”. Qualquer superávit da instituição deve ser reinvestido na sua própria operação. O CPqD desenvolve projetos por iniciativa própria com o objetivo de aumentar a participação da sua tecnologia em TICs no cenário brasileiro. Dentre os produtos gerados por iniciativa própria, “o CPqD tem um campeão de audiência”, disse, com orgulho, Hélio Graciosa.

Trata-se do “gestão da educação”, que já se encontra prestando serviço em vários estados e municípios brasileiros. Nada menos que três milhões de alunos passam pelo “gestão da educação”, desenvolvido por iniciativa do CPqD.

Em resumo, os vetores que impulsionam os projetos de Pesquisa e Desenvolvimento do CPqD são: o Funtell (Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações); o FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; Lei 719/69); os “Projetos Aneel”; os projetos próprios; e os “sob encomenda”.

Girando a Roda da Inovação – atingindo o mercado

Ao girar a Roda da Inovação, o CPqD, além do mecanismo de projetos de P&D já descrito, se vale de sua estrutura para atingir o mercado. É o caso do desenvolvimentode sistemas de software. O CPqD é, atualmente, o maior registrador de programas de software no Instituto Nacional de Propriedade Industrial.

O INPI é uma autarquia federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Trocando em miúdos, o CPqD detém a propriedade intelectual sobre uma vasta quantidade de software.

Os programas de software do CPqD são comercializados diretamente pela força de vendas da entidade. Os sistemas de software estão presentes nas prestadoras de serviços de telecomunicações no Brasil e na América Latina. Já os Programas de software relativos ao sistema bancário “rodam” até nos EUA.

O CPqD gera também tecnologia de produtos que necessitam de uma produção industrial. Por natureza, o Centro não fabrica produtos em série. Assim, ele efetua a transferência de tecnologia para a indústria. Esta, por sua vez, vai ao mercado e remunera o CPqD.

Obviamente, “não inventamos um novo sistema de software todo o dia e nem um novo produto toda hora. Os sistemas de software e a tecnologia de produtos constituem o nosso atacado”, comentou, com simplicidade, Hélio Graciosa, acrescentando que grandes sistemas de software e o desenvolvimento da tecnologia de produto são atividades que exigem bastante recursos e capital intelectual, podendo durar algum tempo.

E no dia a dia do varejo da tecnologia, como atua o CPqD? Ele disponibiliza serviços tecnológicos e atua em consultoria. São mais de 300 clientes, grandes, médios e pequenos, para os quais o CPqD efetua milhares de ensaios de todo o tipo. O mesmo sucede com a consultoria.

Até sua privatização, em 1998, o CPqD, trabalhava em telecomunicações, essencialmente para as operadoras do Sistema Telebrás e, por consequência, para a indústria fornecedora que compunha o modelo. A partir da privatização da Telebrás, o CPqD pôde utilizar seu conhecimento, sua tecnologia e sua capacitação para entrar em outros setores, além o das telecomunicações.

Apontando para um dos quadros da sala da diretoria, cita Hélio Graciosa que, hoje, o CPqD atende, além do setor das telecomunicações, o elétrico; o corporativo; o financeiro; o da indústria; e o da administração pública. “Essa expansão de atividades foi um desafio. Achávamos que bastava entender de tecnologia para entrar num novo setor. Descobrimos que isso podia não ser uma verdade”, disse o executivo. A longo do tempo, o CPqD contratou pessoas familiarizadas com o modelo de tais setores.

“Vivemos num mundo real, centrado no cliente”, explicou o entrevistado apontando para outro quadro pendurado na sala da diretoria. Hoje, em telecomunicações, a locomotiva é a banda larga. Na parte financeira, é o “banco do futuro”. Em energia elétrica, a locomotiva é o “smart grid”. E na administração pública, “a inclusão digital, o e-gov e as cidades digitais” são as locomotivas.

Tecnologias da Informação e Comunicação

Há condicionantes que atravessam todos os sistema estruturante das TICs. Uma delas é a mobilidade. Os bancos querem aumentar sua “bancarização” – mais pessoas com contas bancárias –, e o celular surge como um dos canais mais cogitados.

Outra condicionante é a da segurança da informação e comunicação. A Internet, por exemplo, não foi planejada com recursos intrínsecos para permitir coisas como transações bancárias. Cada vez mais dispositivos de segurança precisam ser agregados à rede.

Finalmente, a condicionante da “responsabilidade socioambiental” não é mais apenas uma retórica para as TICs. As telecomunicações antigamente se orgulhavam de ser uma “indústria limpa”. Não mais. Hoje, são bilhões de computadores, celulares e dispositivos eletrônicos no mundo. Já não é um consumo desprezível de energia que se correlaciona com poluição. E há ainda o descarte desses dispositivos como uma forma de agressão ao meio ambiente. O CPqD tem uma oferta para o gerenciamento da sustentabilidade empresarial.

As TICs, hoje, permitem que serviços possam ser ofertados para pequenas massas quase que individualmente. A administração pública, que antes tratava de grandes populações, hoje, pode chegar quase a cada cidadão. Operadoras de serviços atualmente podem apresentar ofertas específicas para grupos de clientes. O mundo das TICS está ficando customer centric.

“Graças às TICs, o que antes era centrado na rede ou serviço, hoje está centrado no cliente ou no cidadão”, observou Cláudio Violato, vice-presidente do CPqD, presente também à entrevista.

O CPqD fez um estudo e definiu as áreas básicas de tecnologia em que deve atuar com P&D. São as denominadas “linhas de inovação” do CPqD que desenham um amplo leque de saber tecnológico. Citam-se comunicações móveis e redes em fio; plataformas IP (internet protocol); redes e tecnologias de sensores; sistemas de suporte à operação e negócios; serviços, aplicações e terminais; TV multiplataforma interativa; inclusão digital; segurança da informação e comunicação; smart grid (energia elétrica); gerenciamento da decisão.

“Verificamos o que acontece no nosso em torno e periodicamente atualizamos as linhas de inovação do CPqD”, disse Violato. O Centro efetua também seminários tecnológicos com a presença de pesquisadores estrangeiros que trocam informações com os colegas brasileiros. Já ocorreram recentes seminários e workshops de smart grid, de comunicações ópticas, de Internet do futuro, de rádio cognitivo. (matéria continua).

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo