União Europeia: regulamentação de IA exige equilíbrio entre os riscos e a inovação

Legislação europeia resguarda direitos fundamentais e começa a ganhar corpo já em 2025. Setor diz que é preciso equilíbrio para não travar o desenvolvimento

Brasília, 07/11/24 – A regulamentação da inteligência artificial foi tema de sessão temática do Painel Telebrasil 2014, mediada por Daniela Martins, diretora de Relações Institucionais e Governamentais e de Comunicação da Conexis Brasil Digital. A discussão tomou como modelo a legislação aprovada em agosto pela União Europeia, que ainda está em processo de regulamentação e prevista para entrar em vigor em 2026.

A embaixadora da União Europeia no Brasil, Marian Schuegraf, lembrou que o mercado global de IA deve chegar a 257 bilhões de euros neste ano, um aumento de 74 bilhões de euros em relação ao ano passado. Mais que isso, até 2025 mais de 100 milhões de pessoas deverão estar trabalhando com IA em todo o mundo. “A IA tem forte potencial para trazer benefícios sociais e crescimento econômico, no entanto, as características de certos sistemas podem criar riscos à segurança do usuário, incluindo segurança física e direitos fundamentais”, afirmou.

Justificando a necessidade de uma regulação, a embaixadora frisou que alguns modelos que vêm sendo amplamente utilizados podem criar riscos sistêmicos, resultando em riscos jurídicos e lentidão na adoção da tecnologia por falta de confiança. Foi para dar resposta a esses desafios que a União Europeia considerou necessário tomar medidas legislativas para resguardar direitos fundamentais, bem como proteger a democracia. “Nosso desafio agora é traduzir essa legislação em realidade”, assinalou.

Essa tradução tem ainda um bom caminho pela frente. A conselheira e membro da delegação da União Europeia no Brasil, Maria Buzdugan, explicou que, depois da aprovação, a nova lei entra na fase de implementação. Ela será aplicada a partir de 2026, com algumas exceções, como as proibições de usos da IA considerados inaceitáveis – que devem entrar em vigor já em 2025.

“A Comissão Europeia está trabalhando na publicação de orientações para a classificação de risco elevado, bem como em uma relação de exemplos práticos de usos que podem ser considerados assim”, disse. Ao mesmo tempo, existe um trabalho para a elaboração de normas para a definição de risco elevado, que devem ser publicadas em abril do ano que vem.

Ao mesmo tempo, a Comissão deve realizar fóruns públicos de discussão que fomentem a participação do público e elaborar um código de conduta, a ser publicado também em 2025. “As novas regras apoiam a inovação. Acreditamos que uma boa regulamentação pode promover a inovação, dando segurança para o desenvolvimento”, destacou.

Buscando o equilíbrio

Enquanto fomentam suas próprias iniciativas de IA, empresas com operações na Europa buscam entender a nova regulação. O diretor de Soluções e Tecnologias da Ericsson, Paulo Bernadocki, disse que a expectativa da empresa é se beneficiar muito da tecnologia e ressaltou a importância de acompanhar o desenvolvimento dela tendo condições para competir com outros países e regiões. “O que nos preocupa é ter a liberdade de poder trabalhar isso com a flexibilidade que o momento requer, ao mesmo tempo preservando valores como a privacidade dos usuários. O grande desafio é trabalhar o balanço destes dois ingredientes”, acrescentou.

O diretor de Relações Institucionais da Vivo, Tiago Machado, apontou que o movimento da União Europeia foi importante para estabelecer o conceito de regulação baseada em risco, definindo o que é inaceitável e as boas práticas. “Uma das discussões que está posta é como separar o ganho de eficiência operacional em todos os setores e as aplicações que exigem cuidado adicional por conta do risco.”

O diretor de Ultrassom América Latina da Siemens Healthineers, Paulo Pontes, destacou a importância de manter o ritmo de inovação. Ele lembrou que, no setor de saúde, a IA pode ajudar no diagnóstico precoce e em tratamentos específicos, como radioterapia. “Se olharmos IA na saúde, podemos imaginá-la como um copiloto ajudando médicos a encontrar diagnósticos mais precisos, mais rápidos e impactando o acesso à saúde e custos”, afirmou.

Fabio de Freitas, vice-presidente de ICT e Inovação Digital da Stellantis para a América do Sul, pontuou que o tema tem sido tratado de perto pela empresa. Ele destacou que os clientes estão pressionando por inovação nos produtos e serviços e que o Brasil precisa se espelhar nessas práticas e se aproximar do que foi feito na Europa. “O Brasil tem potencial de profissionais e de adaptabilidade desses profissionais. O balanço é essencial, assim como a flexibilidade e a agilidade. As comissões precisam entender esse dinamismo e a indústria está disposta a conversar.”

Pontes, da Siemens, destacou que segurança e transparência são fundamentais no processo, mas que é preciso cuidado para não enrijecer demais a inovação, impedindo o avanço. “No final nós seremos beneficiados na saúde. A grande palavra é equilíbrio entre segurança e transparência”, defendeu.

Machado, da Vivo, citou o exemplo do projeto de lei que está em discussão hoje no Senado brasileiro, que mostra como é possível avançar com diálogo. “Vivemos uma discussão sobre o equilíbrio entre o uso ético e responsável da IA e a manutenção da capacidade de uso da tecnologia”, disse, lembrando que há pontos que ainda estão em fase de discussão e ajuste. De todo modo, ele defendeu que o que for de alto risco deve ficar claro na lei.

Um avanço local apontado por ele é a definição do papel dos reguladores setoriais. “Seria um retrocesso ter uma visão que confunda o alcance regulatório para um setor específico ou que crie uma regulação complexa e pesada. A Anatel, por exemplo, consegue entender a importância do uso da IA no gerenciamento de uma rede”, comparou.

Bernadocki, da Ericsson, reforçou que a confiabilidade é um fator essencial e que a preservação e proteção dos usuários é um compromisso da companhia. “O que preocupa é que, ao mesmo tempo, vemos o mercado de IA se desenvolvendo. É importantíssimo ter condições para que a tecnologia se desenvolva dentro da Uniao Europeia”, concluiu.

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