A inaplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes de furto, vandalismo e receptação de equipamentos de telecomunicações

Em artigo publicado no JOTA, a diretora Administrativa, Jurídica, Tributária da Conexis, Natasha Nunes, e o assessor jurídico da entidade, Guilherme Salles, discutem o entendimento do STJ sobre a gravidade do furto e roubo de cabos de telecom.

Brasília, 14/07/22 – O Brasil tem acompanhado a evolução tecnológica na área de telecomunicações, especialmente no que diz respeito ao lançamento do 5G, que entregará conectividade mais rápida e de maior qualidade ao consumidor brasileiro.

A implementação dessa tecnologia demanda a instalação e a manutenção de uma infraestrutura técnica que viabiliza a prestação dos serviços de telecomunicação. Ocorre que a nova tecnologia enfrenta um antigo desafio, que inclusive configura barreira para o perfeito funcionamento das tecnologias atualmente implementadas, e que se agravou recentemente: trata-se dos atos criminosos de furto e receptação de equipamentos de telecomunicações instalados em áreas públicas.

Como se verá adiante, e na linha do que entendeu recentemente de forma unânime a 5ª Turma do STJ, tal prática lesa não só as empresas detentoras dos equipamentos, mas especialmente toda a coletividade de consumidores brasileiros, que passa a conviver com serviço que em algumas áreas se mostra insuficiente por conta destes atos criminosos, exigindo, neste sentido, uma atuação coordenada do Poder Público com vistas a coibir tal tipo de prática.

Conforme dados levantados pela Conexis Brasil Digital, entidade que representa as operadoras de telecomunicações do país, todos os dias, em todos os estados do país, milhares de brasileiros ficam incomunicáveis, sem internet e serviço de telefonia, tendo em vista a prática de furto e vandalismo das redes de telecomunicação. São ações criminosas que atacam cabos, equipamentos, antenas e toda a infraestrutura das prestadoras de serviços de telecomunicações e prejudicam a vida de milhões de brasileiros, que ficam sem poder se comunicar, acessar a Internet para fins de estudar e trabalhar e sem ter acesso a serviços essenciais como Polícia, Corpo de Bombeiros, emergências médicas entre tantos outros.

Em 2021, mais de 6 milhões de pessoas ficaram sem serviços de telecomunicações por causa das ações criminosas. Para se ter uma dimensão do grave problema, esse número equivale à população da cidade do Rio de Janeiro.

E os casos vêm se agravando ano após ano. Em 2021, foram 4,12 milhões de metros de cabos subtraídos. Foi o terceiro ano seguido que a quantidade de cabos furtados ou roubados ultrapassou a cada de 4 milhões de metros.

Sensível a esta situação alarmante, a 5ª Turma do STJ, em recente decisão proferida no AREsp 1.814.453/RJ, entendeu que é inviável a aplicação do princípio da insignificância para casos de furto de cabos de telecomunicações, ainda que o objeto furtado seja de pequeno valor, na medida em que o crime causa considerável prejuízo à coletividade. No caso concreto, o autor do delito foi condenado pelo furto de dez quilos de cabos telefônicos, avaliados em R$ 60.

A decisão do STJ é assertiva ao afastar o princípio da insignificância dos crimes de furto de cabos de telecomunicações, tendo em vista a situação calamitosa que a sociedade brasileira tem enfrentado por conta deste tipo de crime, caracterizando-se um dano à coletividade que vai muito além do dano patrimonial de empresas privadas proprietárias dos bens furtados.

Na análise do fato típico (primeiro elemento do crime), a tipicidade deve ser analisada sob três aspectos: formal (adequação do fato à lei penal incriminadora), material (análise do desvalor da conduta e da lesão causada ao bem jurídico protegido pela norma) e subjetiva (dolo e elementos subjetivos especiais).

O princípio da insignificância liga-se com a tipicidade material (análise do desvalor da conduta e do resultado), em que há o afastamento da tipicidade e, por conseguinte, do crime, quando verificada lesão penalmente irrelevante decorrente de conduta formalmente incriminada. Em outras palavras, a aferição da insignificância ultrapassa o juízo subsuntivo típico formal e adentra na seara da análise do desvalor da conduta e do resultado em sentido amplo (STJ, 5ª Turma, RHC 59568, j. 13/10/2015).

No entendimento do STF, quatro são os vetores (requisitos objetivos) na aferição da relevância material da tipicidade penal, a saber: (1) mínima ofensividade da conduta do agente; (2) nenhuma periculosidade social da ação; (3) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (4) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Ora, quando se analisa os crimes furto, vandalismo e receptação de equipamentos de telecomunicações, o que se constata é o não preenchimento de nenhum dos referidos requisitos, diante da relevância do serviço em discussão e do considerável dano que se causa à coletividade.

O furto de equipamentos de telecomunicações pode interromper por horas o fornecimento dos serviços de comunicação aos consumidores das empresas afetadas. Em cidades menores e mais distantes, o reestabelecimento pleno do serviço pode demorar até 24 horas.

As operadoras ficam sem acesso aos equipamentos e impedidas de efetuar a manutenção necessária ou realizar a substituição dos itens subtraídos, em algumas localidades de forma reiterada, o que pode ocasionar, inclusive, a decisão das empresas por cessarem a prestação do serviço no local. Já os consumidores ficam privados dos serviços, sem quaisquer direitos e garantias.

Em alguns estados, o vandalismo e a subtração de cabos, geradores, baterias, entre outros equipamentos, se soma a um outro ainda mais delicado, que é o bloqueio de acesso das equipes das prestadoras para a manutenção de seus equipamentos, usados para a prestação do serviço.

Além do prejuízo causado aos consumidores pela falta de acesso ao serviço, essas ações criminosas também causam gastos financeiros imensuráveis para a sociedade, empresas e para o governo. Além da perda de arrecadação de impostos, a criminalidade impacta na atividade e saúde financeira das empresas, que acumulam milhões em prejuízos com a substituição de equipamentos, perda de clientes e penalização regulatória. E outra consequência grave: os recursos subtraídos obstam investimentos que poderiam ser direcionados à melhoria dos serviços e para que a conectividade chegasse a mais pessoas.

Como se percebe, não se trata apenas de ofensa ao patrimônio privado das empresas, o que por si só atrairia a reprovabilidade a ser sancionada pelo Direito Penal, mas também outros bens jurídicos tutelados pela norma penal são diretamente ofendidos, tais como a continuidade dos serviços públicos e a ordem pública.

O setor de telecomunicações tem adotado nos últimos anos medidas, dentro de suas possibilidades, para enfrentar essa situação, mas as principais ações estão fora das suas capacidades. É preciso que as autoridades públicas compreendam a gravidade da situação e atuem, como já começa a ocorrer em alguns estados, para eliminar a ocorrência de tais crimes.

Nesse sentido a elaboração de leis por parte dos estados e Municípios é essencial para coibir esse tipo de conduta, de forma a exigir desses estabelecimentos a devida identificação dos envolvidos na compra e venda destes materiais e equipamentos, bem como acerca da obtenção de informações e documentos que revelem a procedência lícita, sob pena de arcar com multas severas e até a suspensão de suas atividades.

O setor defende uma ação coordenada imediata de segurança pública envolvendo o Judiciário, o Legislativo e o Executivo, nas esferas federal, estaduais e municipais, para a aprovação e implementação de leis que aumentem as penas desses crimes; de ações e políticas conjuntas que ajudem a combater essas atividades criminosas; e punindo agentes receptores de cobre e de equipamentos objetos de furto ou roubo que lucram com os produtos dos crimes

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