Distorções tributárias e desertos digitais
A pandemia tem mostrado o quanto a conectividade é mais que um bem desejável, é essencial na vida da população. É como se, repentinamente, as redes de telecomunicações que estão imperceptíveis no dia a dia de milhões de brasileiros saltassem aos olhos para toda a sociedade.
Mas a pandemia fez emergir outro problema que, infelizmente, não é novo: o quanto a conectividade é distribuída desigualmente pelo país. O desafio é grande, ainda mais para um país continental. Requer um esforço concentrado para eliminar os desertos digitais espalhados Brasil adentro, verdadeiras regiões e/ou estratos da população sem acesso à internet. Nesse sentido, em seu discurso de posse, o ministro de Comunicações, Fábio Faria, reforçou o compromisso de massificar a banda larga no Brasil.
A mais importante e necessária solução para essa questão passa pela correção das distorções tributárias que há anos oneram os serviços de telecomunicações. Em 2019, a soma de todos os impostos, taxas e contribuições sobre os serviços de telecomunicações foi de R$ 65 bilhões. Isso corresponde a uma carga tributária total de 46,7% – mais de quatro vezes maior que a média dos 15 países que mais acessam banda larga móvel no mundo. Foge de qualquer razoabilidade e dificulta os investimentos.
PIS/Cofins, Fust, Fistel, Funttel, Condecine e CFRP são apenas os tributos federais onerando diretamente o consumidor e, mais ainda, os mais vulneráveis. Somam-se a eles o ICMS, cuja diferença de alíquotas nos estados amplia as desigualdades regionais e o hiato digital.
Por exemplo, em Rondônia, a alíquota do ICMS é de 35%, com uma carga tributária total de 59,7%. Já em São Paulo, a alíquota do imposto é de 25%, com uma tributação total de 38,4%. Na prática, o consumidor de Rondônia compromete o dobro de sua renda com gastos em telecom comparado ao consumidor de São Paulo.
A proposta enviada pelo Executivo ao Congresso Nacional de unificação do PIS/Cofins tem o mérito de promover uma simplificação tributária e dar transparência. Mas uma alíquota única de 12 % implica em um aumento significativo na carga total do setor, o que amplia as barreiras ao avanço da conectividade e a implantação de novas tecnologias, como o 5G.
A história dos fundos setoriais de telecom no Brasil dá razão àqueles que advogam a ineficiência dos gastos públicos. De R$ 108 bilhões arrecadados pelo governo desde 2001, apenas 8% foram aplicados no próprio setor. Os tributos desidrataram as empresas, que poderiam ter expandido suas redes com investimentos diretos, e não geraram benefício à população via política pública.
Outro disparate é a tributação dos dispositivos de internet das coisas, que promete trazer infinitas possibilidades de aplicação com a implantação do 5G. A estimativa é que a receita média por dispositivo seja de R$ 12 por ano, enquanto os tributos chegam a R$ 14,73. Para alguns casos, essa receita fica na casa dos centavos. A conta não fecha – e ainda precisaria acrescentar a remuneração do investimento e o custo de manutenção e operação.
Não existe política pública mais poderosa para a digitalização do Brasil do que a redução da carga tributária do setor.
A ampliação da capacidade digital do país leva a saltos qualitativos na educação e a melhores condições de saúde, segurança pública e mobilidade urbana. Em uma amostra feita com 179 países divulgada pela UIT (União Internacional de Telecomunicações), o Brasil está isolado com a maior carga tributária setorial e situado no grupo de países de baixa renda per capita. Qualquer casualidade não é mero acaso.
A população merece uma tributação mais justa para os serviços de telecomunicações, na qual a eliminação das distorções tributárias irrigará – e iluminará com conectividade – os desertos digitais.
* Marcos Ferrari é economista e presidente do SindiTelebrasil. Foi diretor de infraestrutura do BNDES e ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento.