É preciso preparar a população para a transformação digital acelerada

Dimensão continental do Brasil segue como desafio para a conectividade. Especialistas também reforçaram a necessidade de políticas públicas
Brasília, 03/09/25 – O painel temático O futuro da conectividade e as necessidades do Brasil, realizado na manhã de terça (3), no Painel Telebrasil Summit 2025, reuniu representantes de empresas de tecnologia, operadoras e da área regulatória para discutir desafios e oportunidades da conectividade. O debate mostrou consenso sobre os avanços alcançados, mas também destacou a necessidade de seguirmos com a expansão da cobertura e preparar a população para um cenário de transformação digital acelerada.
Mediadora do encontro, a sócia da Veirano Advogados Ana Cláudia Beppu abriu a discussão destacando que a evolução tecnológica impõe ao país uma reflexão profunda sobre como estruturar os dados e a conectividade para sustentar essa transformação. “As tecnologias continuam evoluindo, e precisamos preparar a estrutura de dados no Brasil para acompanhar esse processo”, afirmou.
O superintendente executivo da Anatel, Gustavo Borges, destacou que não há espaço para “isolamentos digitais” e que a conectividade precisa ser inclusiva. “Em IoT temos um caminho enorme a ser explorado, com oportunidades para produtividade e inclusão”, disse. Ele ressaltou, no entanto, a dificuldade de atender um país continental como o Brasil.
Embora 95% da população já esteja coberta, ainda existem lacunas: rodovias, áreas rurais e pequenas localidades. Além da infraestrutura, Borges lembrou que uma parcela da população não consegue pagar pelo acesso, o que exige políticas complementares.
Para Atílio Rulli, VP de Relações Públicas da Huawei América Latina e Caribe, o Brasil tem condições favoráveis para avançar, como matriz energética limpa e sistemas digitais maduros – a exemplo do setor bancário e do portal gov.br. –, mas ele ressaltou a importância de políticas estruturantes. “O Plano Nacional de Inclusão Digital, o Plano Brasileiro de IA e o incentivo a datacenters são passos importantes, assim como o destravamento de fundos setoriais, como o Fust”, afirmou.
O CCO da V.tal, Lucas Aliberti, chamou atenção para o papel das tecnologias emergentes, como satélites de baixa órbita, que podem levar conectividade a regiões remotas. “Estamos no início de uma transformação que permitirá conectar qualquer canto do país em pouco tempo. O desafio, porém, será a qualidade do acesso”, observou, lembrando que a infraestrutura é a essência do futuro digital: “Qualquer solução ou tecnologia dependerá de uma base produtiva e eficiente”.
Maximiliano Martinhão, diretor de Relações Institucionais da Qualcomm, destacou que o futuro passa pela combinação de conectividade avançada, 5G e inteligência artificial. Mas lembrou que, além da infraestrutura técnica, há outra igualmente crucial: a humana. “É preciso preparar as pessoas para o que está chegando. O Congresso tem buscado ouvir a sociedade para criar um marco regulatório capaz de promover essa transformação.”
Hugo Mortoza, gerente Regulatório da Algar, reforçou o papel das operadoras locais na inclusão digital. “Nos últimos 10, 15 anos surgiram diversas empresas regionais que atendem os consumidores de forma próxima. Mantê-las é fundamental para acelerar a transformação digital no Brasil”, disse, destacando que o ciclo de investimentos será contínuo: “Tudo o que planejamos para os próximos cinco anos exigirá um novo esforço no período seguinte.”
Desafios à frente
Ana Cláudia destacou que o desafio vai além da disponibilidade do serviço: envolve a capacidade de pagamento da população e o uso eficiente da conectividade. Nesse contexto, questionou como a Anatel tem atuado para incentivar novos serviços e expandir a rede.
Borges, da Anatel, explicou que os editais de radiofrequência têm sido o principal instrumento de expansão da infraestrutura, resultando na cobertura de 4G nos 5,4 mil municípios.
O superintendente executivo da Anatel também lembrou a importância de novos negócios surgirem com “compliance by design”, preservando direitos do consumidor e a competição justa, além de iniciativas de conectividade significativa que envolvem tanto a infraestrutura quanto o preço dos dispositivos e a capacidade de pagamento do usuário. O uso de fundos como o Fust, segundo Borges, deve ser repensado de forma mais ampla, uma vez que políticas públicas são fundamentais para impulsionar a transformação digital. Ele citou como exemplo os incentivos fiscais para datacenters, que podem reduzir custos ao eliminar impostos de importação sobre equipamentos.
No entanto, Rulli ressaltou que só políticas não bastam. A iniciativa privada tem papel central, especialmente em capacitação profissional, sem a qual a população não conseguirá usufruir plenamente das novas tecnologias. Ele defendeu uma atuação conjunta entre governo, empresas e academia, trazendo experiências internacionais para implementar soluções em larga escala.
O executivo da Huawei também comparou a infraestrutura do 5G no Brasil e na China, lembrando que o país conta com 20 mil estações radiobase, contra mais de 3 milhões no mercado chinês. Para ele, o governo precisa estabelecer metas claras e de longo prazo para que a transformação digital avance.
Lucas Aliberti, CCO da V.tal, ressaltou a contribuição das redes neutras para o desenvolvimento de novos serviços. Segundo ele, o modelo nasceu com foco no compartilhamento do acesso residencial, mas hoje já se aplica também a redes móveis e backbone. Ele considera que a rede neutra traz eficiência ao permitir investimentos inteligentes em infraestrutura, criando condições para acompanhar a rápida evolução tecnológica. “Aprendemos que o conceito de rede neutra é muito mais amplo, trazendo novas formas de se fazer investimento inteligente”, afirmou.
Para Martinhão, da Qualcomm, muitas oportunidades foram abertas pela chegada do 5G, especialmente com as redes privativas, que já têm aplicações em setores como logística, mineração, saúde e finanças. Ele destacou ainda o potencial da combinação entre inteligência artificial, edge computing e redes privativas, além da expansão da internet das coisas (IoT), que já alcançou 5 milhões de conexões no Brasil.
Martinhão também defendeu a renovação da desoneração do Fistel para viabilizar a expansão do setor e chamou atenção para as redes não terrestres como outro vetor de crescimento. “São oportunidades claras tanto para inclusão digital quanto para o desenvolvimento econômico”, assinalou.
Hugo Mortoza, gerente Regulatório da Algar, reforçou que a conectividade, embora essencial, já não é suficiente para garantir competitividade. A operadora tem buscado se reposicionar, deixando de ser apenas uma telco para incorporar tecnologia da informação e inteligência artificial em seus serviços.
Segundo ele, a Algar investe em capacitação interna, aplicando IA em processos como análise de faturas e atendimento de clientes, além de oferecer soluções para o mercado por meio do centro de inovação Brain, que desenvolve produtos em parceria com diferentes setores da economia.