Artigo: Burocracia torna Brasil lento para avançar em novas tecnologias

O mundo sairá, seguramente, mais digital da pandemia da covid-19. A quarentena e o isolamento social impuseram uma evolução imediata da digitalização que levaria 5 anos para acontecer em condições normais de planejamento e execução de projetos. A nova realidade nos deixará um legado positivo: o da ampliação da produtividade econômica por meio da conectividade.

O novo normal já terá assimilado a cultura recente do home office, das reuniões por teleconferência, dos debates por lives, da Educação a Distância, da telemedicina e do incremento das compras de produtos e refeições no modo online, promovendo economia de tempo, bem como de recursos financeiros e humanos. A conectividade promovida pelas redes de empresas de telecomunicações já mostrou que dá conta do recado. Só que essa mudança abrupta evidenciou velhos problemas para os quais a necessidade de uma solução mostrou-se ainda mais urgente.

A mais imediata, e talvez a mais simples de ser resolvida com empenho das autoridades municipais, é a questão da implantação de infraestrutura. Instalar antenas no Brasil, mesmo tendo investimentos disponíveis para tal, não é tarefa fácil. Há no país mais de 300 leis municipais que dificultam e muitas vezes impedem a instalação dessa infraestrutura.

Desde 2015, existe uma lei federal com regras modernas para o licenciamento de antenas que deveria ser seguida pelos municípios. Em muitos deles e em grandes metrópoles, ainda vigoram leis criadas há mais de 20 anos, ou seja, em outros contextos tecnológico e social, em uma época que nem banda larga móvel existia.

Mais do que nunca precisamos dar esse passo, atualizar as leis, desburocratizar processos de licenciamentos que se arrastam muitas vezes por mais de 2 anos, e permitir a expansão das redes. Cerca de 4 mil antenas aguardam prefeituras Brasil afora concederem a licença para serem instaladas, o que representa pelo menos R$ 2 bilhões em investimentos parados. Se hoje já temos dificuldade, ela ficará ainda mais evidente com a chegada do 5G, que exigirá um número de 5 a 10 vezes maior de antenas.

46,7% de imposto

O Brasil tem uma das maiores cargas tributárias do mundo. Somos campeões em tributos na internet fixa e na móvel, como atestou a UIT. O percentual de tributos sobre os serviços nunca foi tão alto, atingindo 46,7% em 2019. No ano passado, batemos recorde em arrecadação de impostos e taxas, recolhendo R$ 65 bilhões aos cofres públicos. 

Vemos que a tributação não acompanhou a evolução do setor. O celular já deixou de ser um bem de luxo há muito tempo, pois ganhou mobilidade, passou a ser banco, carteira, transporte, cardápio, escola, bolsa e mais uma infinidade de possibilidades, mas a carga tributária, por outro lado, só cresce. O setor paga alíquotas equivalentes a que fumo, bebidas alcoólicas, armas e munições e fogos de artifício pagam.

Temos que avançar com urgência para fazer a reforma tributária de maneira a reduzir a carga incidente e permitir uma expansão ainda maior dos serviços, incluindo a população mais vulnerável. E nos preparar também para um futuro próximo, quando a conectividade estará em todos os objetos, com a Internet das Coisas. Sem uma mudança nos tributos, o Brasil não fará parte dessa realidade onde tudo estará conectado e não poderá usufruir das facilidades que isso proporcionará ao dia a dia das pessoas. 

R$ 113 bilhões “parados”

E um terceiro ponto é a necessidade premente de uso efetivo dos fundos setoriais de telecomunicações em projetos que beneficiem de fato os usuários de telecom, especialmente os mais carentes. Desde 2001, fundos, como o Fust e o Fistel, recolheram R$ 113 bilhões para os cofres públicos, mas apenas 8% dos recursos foram usados pelo estado em projetos de telecom.

A TIC Domicílios 2019 mostrou que apesar de todo o avanço feito pelo setor privado para conectar 74% da população, ainda há um contingente de pessoas sem acesso à internet. Grande parte dessa população é também carente de moradia adequada, de trabalho formal e de condições básicas como água encanada e esgoto.

Associada a essa realidade, veio a questão sanitária expondo as desigualdades e nos fazendo constatar que já passou da hora de termos uma política que permita a correta utilização desses recursos e possibilite a inclusão da população mais vulnerável. Um exemplo é o programa Lifeline nos EUA, implantado em 1985, que leva tecnologia de comunicação a famílias de baixa renda.

São lições da pandemia que precisam urgentemente ser colocadas em prática para termos um Brasil mais conectado, justo, inovador e produtivo.

Marcos Ferrari é presidente-executivo do SindiTelebrasil. Ferrari é doutor em economia, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e foi diretor de Infraestrutura e Governo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ele também foi secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento de 2016 a 2018 e anteriormente secretário adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Além disso, exerceu o papel de presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo.

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